Rodízio e pedágios urbanos. Quem disse que é solução?

Experimente: ao pegar um táxi, pergunte ao motorista o que ele acha da mobilidade urbana da sua cidade? Eles, que estão no trânsito durante toda a sua rotina de trabalho, talvez tenham as mais eficazes soluções e as mais perspicazes respostas quanto a saúde de locomoção dos seus municípios. O engraçado é que, justamente, quem anda pouco pelas ruas, são aqueles que definem como irão se locomover, aqueles que andam muito. Em Belo Horizonte, o que se houve sempre é que ‘o trânsito tem piorado muito’, que ‘está um caos’ ou variações dessas mesmas opiniões. Não é por acaso que algumas avenidas da capital vem ganhando criativos apelidos, como a Av. do Transtorno, Av. Antônio Caos, Av. Cristiano Atrasado, Via Estressa, Av. Nossa Senhora do Carma, Av. Getúlio Praga, Rua Pare Eustáquio, Viaduto Santa Lerdeza! E a Av. Otacílio Lerdão de Lima.
Quase sempre dois fatores são apontados como os vilões destes transtornos: as facilidades em comprar um carro zero quilômetro e a má gestão pública da cidade. A primeira reclamação, geralmente, é da classe média alta, possuidoras de seus cinco veículos na garagem, do caçula ao vovô, todos sem seus possantes. A segunda, claro, chega pela via da oposição política. Mas o que de fato é feito, para além de quebrar e reconstruir a Avenida Cristiano Machado? Em setembro de 2013, a Prefeitura de BH, instituiu o Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte – PlanMob-BH, fruto de uma determinação do Estatuto da Cidade – lei federal de 2001, que impõe uma série de instrumentos para que a cidade pudesse buscar seu desenvolvimento urbano. O PlanMob-BH estabeleceu diretrizes para o acompanhamento e o monitoramento de sua implementação, avaliação e revisão periódica. Alguns itens do projeto dividiram opiniões, entre eles o que estabelece o rodízio de carros e o pedágio urbano na cidade.
QUEM DISSE QUE É SOLUÇÃO?
Segundo o PlanMob-BH, o rodízio determina área, horários e dias em que certos veículos não podem circular, com base no número da placa. Já o pedágio urbano consiste no pagamento diário por veículos que circularem em determinadas áreas da cidade. Embora a prefeitura diga seguir o conceito que reza mobilidade urbana como “entendida como o conjunto de deslocamentos de pessoas e bens, com base nos desejos e necessidades de acesso ao espaço urbano, por meio da utilização dos diversos modos de transporte”, a proposta de um pedágio é, no mínimo, contraditória a ideia de inclusão social e democratização do espaço público. Além disso, desconstrói a noção de participação popular. Ambas as ideias, certamente, não fazem parte do desejo da população. Uma pesquisa que está sendo realizada no site do Jornal Estado de Minas apontava, até o dia 17 de março, 19h17, que apenas 16,48% das pessoas eram a favor dos dois itens, 23,53% somente a favor do rodízio, 6,8% somente concordava com o pedágio e 53,19% estão contra os dois projetos.
O próprio prefeito Márcio Lacerda, em entrevista coletiva, após o projeto criar desgastes na mídia, afirmou que não adotará as medidas no curto prazo. Chegou a dizer que, pelo menos em sua administração, que vai até 2016, as duas estratégias não serão implantadas. De todo modo, se algo não for feito e a próxima gestão entender como corretas as medidas, elas poderão entrar em vigor. Mas, a pergunta que fica é: quem disse que elas são soluções?
“A questão é muito preocupante. Primeiro porque cria uma espécie de nova tributação para todos, com a criação do pedágio e segundo que institui uma forma de controle de trânsito que não é bem-sucedida nas cidades onde já são existentes. Estou falando do rodízio. Mais uma vez o cidadão irá pagar o pato pela incompetência do poder público”, afirma Leonardo Soares, Presidente do SINDLOC-MG.
De acordo com a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis – Abla, a implantação do rodízio de veículos não é solução. Em São Paulo, por exemplo, a proibição do uso do carro em determinados dias não garantiu melhora significativa no trânsito, “porque boa parte da população recorreu à compra de um segundo e até de um terceiro veículo, com placas diferentes, para sair com um a cada dia”, diz João Claudio Bourg, presidente executivo da Abla.
“As locadoras também serão afetadas, principalmente porque todos os dias uma parte de nossa frota será impedida de circular”, lembra Leonardo. Segundo uma reportagem no site da Abla, com o rodízio, seguindo os moldes de São Paulo, as locadoras das cidades em que tal medida for implantada terão de comprometer, diariamente, cerca de um terço de sua frota destinada à locação. Isso porque o tempo médio de locação é de 3,5 dias e, ao realizar a operação, a empresa tem que dispor de um carro com placa que circule regularmente pela cidade por todo esse período.
“Ou seja, nos casos mais agudos, se um cliente alugar um automóvel na segunda-feira para ficar com ele por três dias (a própria segunda, terça e parte da quarta-feira), a locadora não poderá disponibilizar a esse cliente um veículo cujas placas terminem em 1 e 2, que terminem 3 e 4 e tampouco aqueles veículos com placas finais 5 e 6. Todos os modelos com tais finais de placas ficarão inviabilizados para essa locação, colocando em risco a sobrevivência de boa parte das empresas do setor”, detalha a reportagem. Para a Abla, portanto, o rodízio seria uma medida extremamente paliativa, não eficaz e sem resultados convincentes, como mostra o exemplo paulistano.
E sobre o pedágio, ainda existe uma discussão sobre a constitucionalidade da aplicação. Segundo uma reportagem do portal Uai, a proposta é baseada no Ministério das Cidades, a partir da Política Nacional de Mobilidade Urbana. O artigo 150 da Constituição veda aos municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.
A reportagem ouviu o professor de direito constitucional e tributário da Universidade Fumec Carlos Victor Muzzi. Segundo ele, esse empecilho ocorre apenas quando a cobrança é feita na entrada de um município para outro. “Seria inconstitucional se obrigasse carros que viessem de Contagem para BH a pagarem um valor. Também não há qualquer impedimento quanto ao direito de ir e vir, já que não há proibição de entrar em determinada área”, ressalta.
EXEMPLOS
A simples discussão a respeito de ambos os temas: rodízio e pedágio, já mostra a fragilidade brasileira em pensar numa solução que, no lugar de atingir o contribuinte e cidadão, atinja os governos. Ambas as medidas é mais uma solução de cima para baixo, de quem procura trasladar o problema ao povo, em vez de assumi-lo.
Lugares como Londres é um exemplo de que um dia o governo precisou criar soluções para o seu povo. O sistema de transporte da capital britânica é gerido a partir de uma inteligência única. Os horários se encaixam, as tarifas são racionais e a pontualidade não é diferencial: é pré-requisito. Lá, o cidadão utiliza o cartão Oyster, que dá acesso ao metrô, ônibus, trens, barcos que sobem e descem o Tâmisa e até a um bondinho. Locomover-se sem limites pela cidade durante uma semana custa o equivalente a R$ 90. É uma questão histórica? Não é o caso. Londres não era, digamos, um exemplo a ser seguido pelo mundo no quesito mobilidade urbana. Em menos de cinco anos, por exemplo, os antigos ônibus e táxis _ barulhentos e poluentes _ foram trocados por novos modelos, muitos deles híbridos, movidos também a eletricidade.
E isso porque um certo prefeito da cidade, Boris Johnson, definiu como prioridade de governo a melhora no trânsito de uma das maiores capitais do mundo. Além disso, ele dá exemplo. O prefeito é visto quase sempre sobre duas rodas. Isto mesmo, Boris Johnson vai de casa ao trabalho de bike. Em Nova Iorque, um outro excelente exemplo, Michael Boomblerg, ex-prefeito e um dos homens mais rico dos Estados Unidos, era usuário diário do metrô da cidade. As fotos de Bloomberg no metrô foram, durante muito tempo, virais na internet, tiradas por americanos e turistas surpresos em encontrar o prefeito no mesmo vagão. A pergunta que fica: é possível acreditar em soluções para a mobilidade urbana quando os administradores públicos olham de cima, pela janela do helicóptero?
Texto e Foto: Leandro Lopes, da Revista Sindloc-MG.

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