Até onde vai a Movida?

Em dois anos (e com um investimento bilionário), o grupo JSL transformou uma pequena rede de locadoras de veículos na segunda colocada do mercado nacional. E a nova empresa mudou a cara do setor. Entenda por quê

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Renato Franklin, CEO da Movida (Foto: Fabiano Accorsi)

Fernando Simões, o dono da JSL, um dos maiores grupos de logística do país, passou boa parte de 2013 observando a Movida, uma empresa de locação de veículos sediada em Belo Horizonte, com 26 lojas em pontos importantes do Brasil e uma frota de 2,6 mil carros. No final de novembro daquele ano – “uma sexta-feira quente”, lembra Simões – ele trocou a observação pela ação, discou para o 0800 da empresa, alugou um carro e passou o fim de semana visitando lojas da marca. Devolveu o veículo no domingo à noite, no aeroporto de Confins. Duas semanas depois, compraria a empresa.

Por que? “Porque é um segmento de baixíssima concorrência e pouco serviço agregado. Havia uma imensa estrada pela frente para explorar”, diz ele. Havia também o histórico da JSL, forjada no setor de transportes, dona de uma poderosa rede de concessionárias (Marca Volkswagen) e de um caixa suficientemente forrado para bancar a expansão da promissora Movida. Primeira medida: montar um plano bilionário de investimento para dar escala ao negócio. Segunda etapa: oferecendo “soluções diferenciadas” para o cliente. Traduzindo: um pacote que inclui modelos de veículos até então inexplorados no setor de locação, mimos tecnológicos nos carros, desburocratização no atendimento (quem já alugou um automóvel sabe do que estamos falando), serviços extras (wi-fi à bordo, por exemplo). A Movida também reforçaria sua atuação na Gestão Terceirizada de Frotas (GTF), para os clientes corporativos, e teria à disposição uma enorme rede para promover o “giro”, ou seja, a venda de seminovos – hoje o maior negócio da companhia.  Pronto: o plano estava montado. Faltava apenas achar alguém para conduzir a arrancada.

É quando entra na história Renato Franklin, um mineiro de 35 anos, que havia acabado de deixar a Vale – onde trabalhou durante uma década – para se juntar ao time da Suzano Papel e Celulose. Chegou lá dizendo ao board que cultivava o sonho de, em cinco anos, se tornar CEO da empresa. A realização do sonho dependeria, claro, de uma série de fatores – o maior deles, a própria performance do recém-chegado executivo. De qualquer forma, Franklin já deixava claro suas aspirações na Suzano. Mas nem precisou esperar cinco anos para ser CEO. Poucos meses depois de vestir o crachá da Suzano, ele seria convidado por Fernando Simões a se juntar ao time da JSL. Função: CEO da Movida. Missão: fazer uma profunda transformação na recém-adquirida companhia. “Agradeci imensamente ao pessoal da Suzano, mas não poderia desperdiçar a oportunidade de comandar o projeto Movida”. Franklin teria R$ 1 bilhão para multiplicar o número de lojas, cobrir todo o país, reinventar o setor de locação e terceirização de frota. Em março de 2014, ele assumiu a direção geral da Movida.

Começaria ali um plano de expansão a toque de caixa.  Em dois anos, a Movida saltou de 26 lojas e uma frota de 2,6 mil veículos para as atuais 163 lojas e 53.467 veículos. Somente no primeiro ano [2014], abriu em média 1 loja por semana. “Tomávamos um avião em São Paulo e percorríamos o país atrás de cidades que pudessem ter uma loja Movida”, conta ele. Houve ocasiões em que visitou quatro estados em uma semana. Em outras, percorreu três cidades em um só dia. Era preciso correr, tornar o nome conhecido, cavar espaço num setor dominado por empresas tradicionais como Localiza e Unidas.  Para acelerar o processo de abertura de lojas, Franklin e sua equipe inovaram, criando “Lojas kit”, contêineres que serviam de pontos de locação enquanto determinada loja não estivesse pronta – uma espécie de lego para atender os clientes. A reforma de um ponto demora, em média, dois meses. Com os kits, foi possível começar a operar em dias.  “Lançamos também o caminhão loja, que servia ao mesmo propósito”, conta Franklin.

Enquanto uma equipe se encarregava da prospecção dos pontos, outra atuava nos bastidores para trazer os tais serviços diferenciados. De saída, Franklin e seu time fecharam um contrato inédito com a Hyundai – cm direito a celebração em Seul – para incluir o modelo HB-20 na frota, de todas as cores. “Rompemos com aquela tradição do setor de só oferecer carros brancos, pretos ou prata”, diz Franklin.  Aproveitando o relacionamento com o grupo Volks, eles também passaram a oferecer modelos de luxo como Audi A2 e A3. Em seguida, adicionaram Mercedes à lista premium. A empresa criou o Movida Wi-FI, que disponibiliza internet 4G dentro do carro; o Movida VIP, com vagas dentro do estacionamento do aeroporto de Congonhas; o programa de fidelidade Movida Você e uma rádio digital exclusiva para os clientes. São os tais serviços diferenciados ao qual Simões se referia.

Os resultados de todas essas estratégias no setor de locação, combinados a uma agressiva atuação na gestão de frotas e venda de seminovos, vieram rapidamente. No balanço de 2015, a Movida exibia um faturamento de R$ 1,3 bilhão (eram R$ 58 milhões em 2013). A margem Ebitda foi de 36,6%. No segundo trimestre deste ano, houve aumento de 71% nas receitas líquidas da empresa (para R$ 480,2) em relação ao mesmo período do ano anterior. Na comparação com o primeiro trimestre de 2016, as receitas totais cresceram 13%, muito em virtude da venda de seminovos – as receitas com aluguel e terceirização de frota sofreram queda, fruto, segundo Franklin, da sazonalidade pós férias e carnaval que tradicionalmente atinge o setor. Acompanhe a entrevista com o CEO da Movida:

O crescimento da Movida, turbinado por um investimento bilionário, impressiona. Onde vocês querem chegar?
Não temos um compromisso de chegar a determinado número de lojas ou de carros. Por que não? Porque o pré-requisito para continuar crescendo é qualidade e retorno do investimento. Se a qualidade apresentar algum deslize é melhor parar de crescer, arrumar a casa, para, só então, retomar os investimentos. Temos que assegurar uma boa taxa de ocupação de nossos veículos. Por enquanto ela está bem alta [chegou a 70% no segundo trimestre]. Nós consideramos, sim, dobrar o nosso reconhecimento de marca, dobrar a percepção de validade do serviço de locação de veículo. A gente traz muito cliente novo todo mês. Trouxemos 45 mil clientes novos em dezembro, quase 50 mil clientes novos em janeiro. Quando falo clientes novos estou falando CPFs, já que pessoas jurídicas também entram com CPFs. São, portanto, novos CPFs alugando carros. Ora, se metade de meus clientes são novos, todo mês, querendo ou não eu estou dobrando a base de clientes todo mês. É um bom sinal.

Como foi a estratégia de crescimento nestes últimos dois anos? Havia um mapeamento de cidades por região, por tamanho, por população?
Quando a gente pegou lá atrás, mapeamos todas as cidades acima de 200 mil habitantes e fizemos um ranking.  Também olhamos para o PIB dessas cidades. Fizemos uma lista de prioridades. Obviamente que, às vezes, uma cidade passa na frente da outra na fila, pois pode acontecer de um cliente corporativo ter determinada demanda para aquela região ou município. Mas tem sempre uma linha mestra que a gente vai seguindo. Em 2014, nós saímos de 26 para 80 lojas. Muitas vezes, rodávamos num dia 1.100 km para poder olhar várias cidades. Isso acontecia com frequência no interior de São Paulo.

É mais vantajoso comprar ou alugar o terreno, o ponto?
Quase nunca o terreno é nosso.

Voltando aos números. O faturamento atingiu R$ 1,2 bilhão em 2015, mas a margem líquida ainda é pequena. Por que isso ocorreu?
No ano passado a margem foi pequena, sim. O Ebitda é considerável [R$ 279 milhões], mostra que tem geração de caixa forte, mas a margem líquida é pequena, muito impactada pelo crescimento. Dito de outra forma, o crescimento muito forte penaliza a margem líquida. Há todo o custo financeiro, que entra a partir do momento da compra do carro. Só que o carro demora vinte dias para chegar na loja e as lojas novas demoram três ou quatro meses para entrar em um ritmo que a gente definiu. Ou seja, você está pagando por isso durante esse tempo. A partir deste ano a gente vai começar a ver uma margem melhor.

De quanto?
Melhor do que no ano passado.

Concorrentes dizem que a Movida está comprando mercado, reduzindo o preço das tarifas…
Isso aqui é igual companhia aérea. A gente sempre tem muitas promoções, que acabam criando uma percepção de que somos mais baratos. Há algumas ocasiões em que a gente realmente faz negócios de muito valor para o cliente. Hoje, você tem Mercedes por R$ 349 (diária), Audi por R$ 249. Então, sim, temos promoções muito agressivas. Mas isso é gestão de mix. Até hoje nós temos o melhor tíquete médio do mercado. Não é guerra de preço. É gestão de mix.

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Fernando Simões e Franklin, na sede da JSL, em São Paulo (Foto: Fabiano Accorsi)

Outra questão do mercado: quando a JSL fechar a torneira a Movida será capaz de manter o ímpeto? 
O pessoal gosta muito de falar da vida dos outros, né? Quando a gente começou, diziam: ´Ah, eles vão parar em 10 mil carros. São um bando de malucos’. Chegamos em 19 mil carros no final do primeiro ano. Aí falaram: ‘Agora parou’. Chegamos aos 33 mil carros no rent a car. E criamos o negócio de seminovos totalizando 55 mil carros. Sempre vai ter gente que fica torcendo contra. Eu, de minha parte, espero que o mercado cresça, que traga mais cliente, que gere margens maiores. A Movida já é um negócio independente do grupo JSL. É óbvio que o grupo traz capacidade financeira, que traz um canal de venda de seminovos completamente diferenciado, que nos ajudou muito nesse negócio. Antes falavam que a Movida não teria capacidade para vender carro. A gente vendeu 20 mil carros no ano passado. Já vendemos todos os carros que tínhamos no primeiro ano. Usamos todos os concessionários Volks, usamos lojas de seminovos Movida [ são 30 lojas] e fizemos parceria com outras grandes concessionárias. Sempre tem um monte de oportunidade, mas se o setor ficar só olhando para as dificuldades ninguém vai sair do lugar. E que nem aquele cara que fica olhando para o Brasil dizendo: ‘do jeito que está não vai dar’. Não tinha jeito dois anos atrás, não tinha jeito um ano atrás e estamos aqui, com todas as dificuldades mas avançando. Todo ano tem mercado. Mas tem que ter disposição e ousadia para encontrar as oportunidades.

Como você vê o futuro do setor?
Uma coisa que eu acredito muito é que o aluguel de carros é um negócio com margem boa, com rentabilidade e com uma perspectiva de valorização muito grande, pelo potencial de crescimento, pelo amadurecimento da demanda e pela diferenciação da oferta que a gente está criando. Então, sinceramente, eu acho que a Movida é vista pelo investidor como um negócio totalmente sustentável, rentável.

Existe a possibilidade de ampliar a oferta de ações, fazer um IPO?
A movida já é companhia listada, com capital aberto. A diferença é que todas as ações são da JSL. Se a gente vai fazer um IPO um dia? Isso aí é mais para a frente. Acho que hoje o mercado não comporta esse tipo de iniciativa. O grande valor que a gente vê de estar listado é muito mais de dar um selo de confiança aos nossos clientes. Um selo de confiança em nossos serviços. A gente não está aqui para alugar carro. Estamos aqui para prestar serviços, através do aluguel de carro, sim, mas com soluções diferenciadas. Hoje, tem gente que aluga o carro porque tem wi-fi. Ou aluga o carro porque tem motorista, porque não quer ter um carro próprio, já que só usa automóvel de fim de semana. Tem várias alternativas e soluções voltadas para mobilidade, sim, mas que geram valor nas prestação de serviços. Isso é o nosso negócio e o que a gente quer fazer cada vez mais.

Das três áreas de atuação, qual é a mais rentável?
Venda de seminovos é um percentual bem significativo da receita. Deu mais de 40% no ano passado. Ele é relevante porque o giro do ativo faz parte do negócio. A gente quer manter a frota mais nova do mercado. Temos girado em até 12 meses ou até 35 mil quilômetros.  Aluguel de carros diário é mais ou menos o dobro do gestão de frota. Temos 32 mil carros no rent a car, e 15, 16 mil carros na GTF. Fizemos cerca de R$ 455 milhões com aluguel e R$ 214 milhões com gestão. O restante do faturamento de R$ 1,2 bilhão vem dos seminovos.

Gestão de frotas é o que apresenta menor resultado. É mais complicado captar novos contratos, sobretudo em momentos de crise?
De novo temos a história da oportunidade. A gente tenta desvincular esse processo de gestão de frota do negócios de commodities. Tentamos entender a necessidade do cliente, trazer uma redução de custo para ele. Não vou conseguir fazer isso apenas oferecendo preço competitivo. Eu o ajudo a rever o modelo de contratação. Por exemplo, a gente consegue oferecer leasing operacional onde faz sentido, fazer uma estratégia tributária para que ele consiga se creditar depois.

É quase um trabalho de consultoria?
É um trabalho de consultoria mesmo. Tem casos em que chega a durar seis meses esse trabalho. O cara vê a última linha do balanço e constata que está pagando menos, além de ter melhorado os carros. O que a gente fez foi mudar o modelo de contratação. Às vezes, há muito desperdício no contrato, coisas que o cliente não precisava usar. A gente ajusta isso.

Por exemplo?
Modelo de quilometragem. Muitas vezes o cliente tem muito carro reserva, uma frota maior do que deveria para atender as suas demandas. Se consegue um serviço melhor, nem precisa daquela frota reserva. Por exemplo, há um prestador de serviço que demora dois dias para fazer revisão. Se eu ofereço alguém que faz a revisão no mesmo dia, o cliente já não vai precisar do carro reserva. Entendeu como é? Fora a questão dos modelos. Pelo nosso relacionamento com Audi, Mercedes e Hyundai, a gente consegue oferecer esses carros para a diretoria sem necessariamente ter aumento de custos em relação ao que a empresa pagava em outros modelos.  Não é loucura. É parceria em toda a cadeia de fornecimento. Ou seja, eu tenho uma parceria com a montadora que me permite ter uma condição de oferecer preços diferentes. Isso gera um negócio onde todo mundo ganha.

Fonte: Época Negócios

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