Os dez principais desafios da política externa brasileira em 2016

Simplesmente selecionar dez pontos entre uma imensidão de desafios que o Brasil enfrenta é, claro, uma tarefa praticamente impossível e fadada a omitir tópicos cruciais. Esta lista, portanto, não pretende ser exaustiva (não contempla temas chave como meio ambiente, ajuda ao desenvolvimento e não proliferação), mas busca estimular o debate sobre um ano desafiador que temos pela frente.
Leia abaixo a primeira parte da lista, com cinco temas. A segunda parte será publicada na próxima semana.
1. Ajudar a consertar a economia
A economia do Brasil está em frangalhos e nenhuma política internacional no mundo poderia consertá-la antes de reformas domésticas profundas – ainda assim, uma política externa sabiamente formulada pode contribuir de modo importante. Isso implica dar nova vida ao Mercosul e buscar ativamente acordos de livre comércio (confira o item 5), tornar mais transparentes e eficazes os empréstimos do BNDES a estrangeiros e mostrar com clareza aos investidores internacionais como o Brasil pretende sair da desordem econômica em que se encontra (um plano para subir 30 posições no ranking Doing Business, do Banco Mundial, seria um bom começo).
Inclui, também, lutar por financiamentos do Novo Banco de Desenvolvimento, liderado pelos BRICS, retomar o programa de bolsas para estudantes brasileiros no exterior (mas limitando-o a engenheiros), facilitar as regras de imigração, ativamente atraindo imigrantes qualificados (de lugares como a Síria), e eliminar trâmites burocráticos complicados para a obtenção de vistos, de modo a aumentar o número de turistas estrangeiros.
2. Recuperar a liderança regional
Nada simboliza a perda de dinamismo da política externa brasileira melhor do que sua política regional passiva e indiferente. Onde a presidente vê a região em cinco, dez ou 20 anos? Qual é o projeto regional do Brasil e como deve ser implementado? O País tenta ter alguma relevância na definição da agenda regional?
Embora o Brasil tenha perseguido uma política regional proativa durante os mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Lula, poucos na região entendem hoje o que o Brasil quer. Isso não significa que o Brasil tem que impor suas visões, longe disso. O Brasil é, no entanto, o único país na região com poder convocatório suficiente para articular uma visão comum e criar o estímulo para que ela seja alcançada.
Nos últimos anos, tem havido algumas razões para otimismo. O Brasil, por exemplo, convidou os líderes regionais para se reunir com Xi Jinping, presidente da China, na ocasião de sua vinda ao País para a 6ª Cúpula dos BRICS.O evento poderia ter sido o início de um diálogo sistemático entre líderes da região sobre como lidar com a ascensão chinesa. Essa iniciativa pode ser tomada com muito mais frequência, como já ocorreu no passado – por exemplona formação do Conselho de Defesa da Sul-Americano.
3. Colocar os direitos humanos e a democracia de volta na agenda
Na posição de presidente eleita, em dezembro de 2010, Dilma Rousseff classificou de “medieval” a prática iraniana de apedrejar mulheres condenadas por adultério, criando a esperança de que o Brasil tomaria uma posição mais clara em relação a violações de direitos humanos ao redor do mundo.
Mesmo diplomatas experientes interpretaram o comentário da presidente como um sinal verde para criticarem abusos em outros locais. Contudo, apenas alguns dias depois, o ministro das Relações Exteriores foi duramente advertido pelo assessor especial de Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia, para que não mencionasse problemas de violações de direitos humanos em Cuba e Venezuela sem a autorização da presidente.
Se algum país na região poderia ter sido mais efetivo ao lidar com a crise democrática na Venezuela, esse país seria o Brasil. Brasília, entretanto, deu ao presidente Nicolás Maduro um cheque em branco para perseguir seus opositores políticos e controlar a mídia e o Judiciário, sem temer a censura internacional.
4. Recuperar a voz perdida do Brasil em frente a desafios globais
Quando se trata de temas dominantes das relações internacionais nos últimos doze meses, como a ascensão do Estado Islâmico, a crise mundial de refugiados ou a guerra civil na Ucrânia, o Brasil raramente ultrapassou o papel de espectador, cedendo espaço para potências tradicionais.
Brasília poderia, no entanto, ser muito mais proativa na discussão global sobre como enfrentar de modo eficaz os desafios listados acima e influenciar positivamente dinâmicas – como fez, no nos últimos anos, em relação a intervenções humanitárias, governança na internet, missões de paz, resolução de conflitos e defesa da democracia.
Isso requer, primeiramente, estar presente quando esses temas são discutidos – como na anual Conferência de Segurança de Munique, da qual o Brasil tem notadamente se ausentado nos últimos anos. Nosso debate internacional está desequilibrado, e não podemos mais resolver desafios globais simplesmente confiando no bom senso de alguns países.
O dramático fracasso ao enfrentar assuntos chave durante as últimas décadas é um sinal claro de que novos atores devem contribuir para que soluções relevantes sejam encontradas.
5. Buscar mais acordos de livre comércio
Na última década e meia, centenas de acordos comerciais foram registrados na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Mercosul, por sua vez, assinou apenas alguns, com mercados de importância limitada.
As negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia (UE) são extremamente difíceis e já começaram há 15 anos. Elas estagnaram devido a problemas similares aos que tornaram as negociações da OMC tão complexas: a falta de disposição, por parte da Europa, para expor seus fazendeiros protegidos à competição e o desejo sul-americano de proteger suas indústrias em relação a importações de alta qualidade.
No Brasil, apesar disso, um número crescente de empresários apoia acordos de livre comércio não apenas com a UE, mas também com os EUA. Eles argumentam que a indústria brasileira poderia competir em igualdade de condições se o governo reduzisse o persistente “custo Brasil”, ao facilitar a cobrança de impostos e melhorar a infraestrutura.
6. Convencer a presidente, o Congresso e a população de que política externa importa
O ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) foi bem sucedido ao lidar com os desafios mais emergenciais internos ao Itamaraty (como impulsionar o moral da tropa) desde que assumiu há um ano. Ele deve agora continuar, mesmo em tempos de extrema austeridade, a convencer a presidente e o Congresso de que o Itamaraty requer mais, e não menos, recursos.
Conforme o Brasil almeja defender seus interesses no exterior, o número pequeno de diplomatas impõe limitações em sua capacidade de operacionalizar novas políticas. Estratégias inteligentes desenvolvidas domesticamente podem não obter o impacto desejado devido à falta de oficiais do Ministério das Relações Exteriores para implementá-las.
Negociações bilaterais complexas podem ser prejudicadas se os negociadores de um lado não tiverem acesso adequado a informações em razão da falta de equipe diplomática e conhecimento em solo sobre restrições domésticas que o outro lado está enfrentando.
Finalmente, manter uma embaixada sobrecarregada com poucos funcionários pode enviar um sinal negativo ao país que recebe. Em alguns casos, isso pode gerar mais danos do que não abrir uma embaixada. No entanto, a presidente dá pouca importância para a diplomacia, e algumas das principais iniciativas internacionais do Brasil não foram iniciadas pelo Itamaraty, mas por outras instâncias do governo.
Formuladores de política externa enfrentam, então, um desafio duplo: convencer o Congresso e a presidente de que a política externa importa, e que o Itamaraty é o melhor lugar para projetá-la e implementá-la. Enquanto poucos recursos estiverem disponíveis e a presidente lutando por sua sobrevivência, o Itamaraty deve praticar o que Matias Spektor chamou, em uma frase feliz, de “ginástica em uma cela de prisão” e aprender a operar abaixo do radar.
7. Desenvolver expertise de ponta em segurança cibernética
Novas tecnologias de comunicação corroem hierarquias, desmoronam tempo e distância, e empoderam redes. Isso terá um impacto maciço nas relações internacionais, e a segurança cibernética será um elemento chave na elaboração da política externa nas próximas décadas.
Questões que definem a segurança cibernética atualmente – como responder a incidentes, o problema de atribuição de ataques, autoridades investigativas e legais que se sobrepõem, parcerias público-privadas, e a necessidade de cooperação internacional – são muito discutidas em Washington e Pequim, mas o Brasil ainda não possui conhecimento para desempenhar um papel chave no debate global sobre as regras e normas da segurança cibernética.
O mesmo vale para acadêmicos de relações internacionais em universidades brasileiras e think tanks, que continuam largamente despreparados para ponderar sobre o assunto.
8. Preparar-se para um mundo mais centrado na Ásia
A China pode crescer um pouco mais devagar do que antes, mas poucos contestariam seriamente que estamos testemunhando um momento de transição. A economia mundial não irá retornar à distribuição de poderes do final do século XX, e o peso da Ásia se fará sentir em todos os aspectos dos assuntos globais.
A embaixada do Brasil em Pequim cresceu nos últimos anos, mas o número de diplomatas em outros locais chave como Tóquio, Deli, Manila e Hanói é muito pequeno. Afinal, é nestes países que a dinâmica mais importante do século XXI (um choque de interesses crescente entre Washington e Pequim) acontecerá.
O Ministério das Relações Exteriores não pode sozinho abraçar um mundo mais centrado na Ásia – universidades brasileiras, jornais e empresas são elementos fundamentais nessa reorientação.
Ser um membro-fundador do Banco Asiático para Investimento em Infraestrutura (Asian Infrastructure Investiment Bank, em inglês), liderado pela China, e estar ativamente envolvido no agrupamento do BRICS são passos importantes na direção correta.
9. Continuar a trabalhar para reformar instituições internacionais
Por que o Brasil deveria se importar em reformar o Conselho de Segurança da ONU em tempos de crise como estes? A resposta é simples: porque responsabilidades globais não são decorrentes de taxas flutuantes de crescimento doméstico. Há pouca utilidade para uma potência emergente que se engaja construtivamente em problemas globais em momentos bons, apenas para desaparecer quando a economia não vai tão bem.
É por esta razão que a retração diplomática do Brasil no governo Dilma Rousseff tem sido tão prejudicial: o momento no qual um futuro presidente irá adotar um papel internacional mais visível fará observadores internacionais questionarem se esse é apenas mais um golpe de sorte.
A lógica por meio da qual instituições internacionais como o Banco Mundial, o FMI e o Conselho de Segurança precisam de reformas continua mais válida do que nunca, e a crise do Brasil não altera a tendência geral de que estamos rumo à multipolaridade.
10. Usar as Olimpíadas promover a imagem desgastada do Brasil no mundo
Os Jogos Olímpicos oferecem uma oportunidade única para fortalecer a imagem do Brasil ao redor do mundo. Essas atividades são, geralmente, coordenadas pelos ministérios do Turismo ou dos Esportes. Entretanto, sem uma estratégia clara desenvolvida pelo Ministério das Relações Exteriores, elas devem falhar.
As Olimpíadas de 2012 em Londres deveriam servir de exemplo. Personalidades esportivas britânicas relevantes e outras celebridades viajaram pelo mundo para promover o evento, e embaixadas ao redor do mundo adotaram uma estratégia de comunicação midiática coerente e sofisticada.
Organizado em uma época de pessimismo no Reino Unido (reconhecidamente, não comparável ao atual mal estar do Brasil), o evento revigorou a imagem do país no mundo, algo que o Brasil precisa desesperadamente para atrair turistas e investidores.
Por Oliver Stuenkel, do Politike.

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