Empresas de base tecnológica, startups avançam a passos largos no Brasil

Empreendedores criam do zero pequenos negócios que são capazes de resolver grandes problemas dos consumidores

Chave carroGrabryella Correa, presidente da Lady Driver(foto: Maria Emília Dinat/Lady Driver)

As soluções de problemas por meio da tecnologia estão avançando a passos largos no Brasil. E promovendo uma verdadeira revolução no modo como, atualmente, se avaliam e se consomem os mais diversos produtos e serviços. Inclusive nas áreas de segurança e mobilidade urbana. Todo esse processo de informatização deixa mais tranquilas consumidoras como a vendedora Ingrid Oliveira, 21 anos, que passou por apuros por ser mulher. “Já sofri assédio sexual. Me sinto mais segura sabendo que uma mulher vai me deixar na porta de casa. Pegar qualquer serviço de transporte, que não um oferecido por uma mulher, é desesperador. Eu sei para onde vou, mas nunca se de fato chegarei lá”, diz.

O alívio sentido por Ingrid é assegurado pela Lady Driver, empresa que oferece, por meio de um aplicativo para smartphones, o serviço de transporte compartilhado de mulheres para mulheres. A companhia é uma entre as milhares de startups — empresas criadas de base tecnológica com alto potencial de escala na venda de produtos e serviços — que estão provocando verdadeiras disrupções nos mercados.

Em um país como o Brasil, com graves deficiências na prestação de transporte público e na segurança pública, ter uma startup como a Lady Driver é uma mão na roda para as mulheres na avaliação da presidente da empresa, Gabryella Correa, o aplicativo quebra paradigmas não apenas por inovar, como também por prover empoderamento e renda às mulheres. “Criamos um serviço que está gerando emprego e provando que as mulheres, ao contrário do que alguns dizem, são, sim, boas condutoras. Asseguramos segurança para as passageiras e valorização para as motoristas em um segmento predominantemente masculino”, destaca.

Ganhos sociais e econômicos para a sociedade são demonstrações do processo revolucionário que as startups estão promovendo. Um mercado que mostra que o processo de inovação tecnológica pode contribuir em setores nos quais há carências. “Criar uma empresa como esta é mostrar que temos problemas que precisamos resolver, como o respeito às mulheres”, avalia Gabryella.

A meta, agora, com auxílio da abertura de uma rodada de investimentos, é expandir o Lady Driver. Atualmente, a empresa opera  em São Paulo. Em março, chegará ao Rio de Janeiro. Tem planos de conquistar o Brasil e o  mundo. Independentemente do alcance da empresa, o legado já é uma realidade. “Deixamos como marca a liberdade para a mulher, que pode ser o que ela bem quiser”, destaca.

Só o começo

A era das startups no Brasil está apenas começando. E não se limita apenas a empresas nas áreas de mobilidade urbana e segurança. Os mais diversos setores estão sendo revolucionados por essas empresas. Mesmo outros serviços típicos de Estado — ainda que prestados também pelo setor privado por meio de concessões —, como educação e saúde, além de serviços financeiros estão sendo diretamente beneficiados. E toda essa transformação será abordada em uma série de reportagens do Correio nos próximos dias. É um processo que tem potencial para alavancar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não só pelo crescimento das empresas em si, mas também pelas chamadas externalidades positivas: ganhos de produtividade que se espalham por toda a economia.

Pela difusão da tecnologia, empresas nascem diariamente. Reconhecidas oficialmente pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups) são 4,2 mil as que existem. As principais características das startups são as capacidades de ser “escalável” e de resolver demandas difíceis — ou até tidas como impossíveis — de serem solucionadas. Ou seja, que tenham um poder de replicação e propagação potencialmente ilimitado, sem que isso influencie no modelo de negócios. “O conceito básico é solucionar um problema de forma não usual. Por isso, as startups têm a base tecnológica para ser ‘escalável’ e ‘repetível’, além da busca pelo baixo custo”, explica a diretora de marketing da entidade, Vinck de Bragança.

Gráfico(foto: CB/D.A Press)

Inovações para todo lado

O mercado de startups terá, em alguns anos, uma importante participação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Por ora, tendo em vista que esse setor ainda engatinha em relação a países onde as tecnologias são mais desenvolvidas, como os Estados Unidos, é impossível avaliar a parcela dessas atividades na geração de riquezas. Mas esse cenário deve mudar em breve, sobretudo em setores nos quais o país tem importante presença na  exportação. No agronegócio, empresas atuantes podem representar algo próximo de 7% da geração de riquezas, avalia a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

Guto FerreiraGuto Ferreira, presidente da ABDI(foto: César Ogata/ABDI.)

É o que sustenta o presidente da instituição, Guto Ferreira. “É uma hipótese que não pode ser descartada. Neste setor, e em outros, como o têxtil e o automobilístico, é que as startups mais podem contribuir para o desenvolvimento econômico”, afirma. Motivos não faltam para crer nessa possibilidade. “No Brasil, é difícil calcular porque é um país continental, onde o ambiente econômico está sendo moldado para as empresas nascerem, crescerem e se manterem ativas. Potencial nós temos”, frisa.

Há uma década, era quase inimaginável pensar em startups como Uber e Netflix operando no Brasil e no mundo na magnitude em que atuam, promovendo o acesso à cultura e melhorando a mobilidade urbana. “Para os próximos 10 anos, esperamos nada menos do que a completa mudança da sociedade, seja na segurança, seja na saúde ou na educação. A mobilidade já foi alterada, com atuação, inclusive, da 99, a primeira unicórnio (startup avaliada em US$ 1 bilhão) brasileira”, destaca.

Os próximos anos devem manter a tendência de novas startups surgindo para atender a demandas individuais dos consumidores. Um característico perfil da geração que consome os serviços oferecidos por essas empresas. É o que avalia Alkefran Albuquerque, CEO da Bisble, startup que fornece uma plataforma de gerenciamento personalizado de estudos em inglês. “Essa é a tendência, independentemente da área de atuação. O consumidor cada vez mais sente a necessidade de absorver conteúdos que atendam demandas pessoais. E essas ferramentas vêm para sanar as exigências desses usuários”, ressalta.

A Bisble trabalha diretamente com a oferta de plataformas adaptáveis para o perfil de cada consumidor. A proposta é permitir que o usuário crie o próprio cronograma de estudos na língua inglesa. “Hoje, apenas 5% da população brasileira fala inglês fluentemente. Criamos uma ferramenta que permite a qualquer um aprender, sem a necessidade de pagar um curso presencial. Nós auxiliamos o consumidor a se organizar, com apoio de materiais já existentes. Não adianta ter um curso que abrange um tempo fixo se cada pessoa tem demandas e tempos disponíveis diferentes para se dedicar”, destaca.

A continuidade da disruptura nos mercados tradicionais pelas startups requer, no entanto, a superação de desafios. Como a ampliação da infraestrutura de rede para todo o país e um modelo educacional transformador. “Tudo passa pela educação e conectividade. Sem isso, não tem inovação. Nosso sistema educacional é uma fábrica do século 19. Você entra e é julgado pela nota. No final, são produzidas teses, e não produtos, ou seja, a criação de soluções para problemas. E sem prover Wi-Fi, como se vai levar cursos de ensino a distância (EAD) a comunidades menos assistidas?”, alerta Ferreira.

Política de Estado

Outro desafio previsto por Ferreira é a integração entre o Estado e as startups. O presidente da ABDI, agência supervisionada pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), garante que o governo federal quer ser  um indutor da participação das startups resolvendo os problemas.

A abertura da administração pública às startups, no entanto, exigirá uma atualização na Lei de Licitações (8.666/93), adverte Ferreira. “As startups trabalham com menos e resolvem mais, a custos mais baixos do que as consultorias que, hoje, participam das licitações. Elas podem reduzir as despesas de qualquer área, desde a redução do papel até a sistematização e inteligência de dados. Mas não podem participar de licitações. Não tem um único setor do funcionalismo em que elas não possam efetivamente apresentar soluções para o Estado que, por sua vez, poderá fazer melhor uso de seus recursos”, ressalta.

* Estagiários sob supervisão de Paulo Silva Pinto

Fonte: Correio Braziliense | Economia – postado em 11/02/2018 08:00 | Bruno Santa Rita / Letícia Cotta / Rodolfo Costa

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